Saturday, 20 November 2010

Tem dias

Às vezes sento-me com uma folha de papel à frente e não sei o que escrever. Por vezes são tantas as ideias que não lhes sei dar qualquer ordem ou sentido. Tem dias que desisto de tentar escrever e são esses os dias em que tudo se aglomera dentro de mim, palavras aos tropeções que não se sabem escrever por si, ideias sobre ideias que num infinito se perdem. O hábito não convida o desespero e só assim se sabe perdoar a palavra que não cativa o escritor. Entre o ser livre e a criatividade esperada encontra-se a esperança de que nem tudo o que são boas ideias devem necessariamente ser partilhadas. Às vezes o egoismo da perfeição deve ser mantido entre o silêncio e a escuridão pois só assim dará azo a alguma paz de genuinidade. Por vezes a partilha encontra em si o vazio de uma qualquer substância subjectiva. Tem dias que o enclausuramento das palavras na sua própria dimensão engrandece a alma de quem as pensa e entende. Assim só fica em desvantagem quem não as lê e só quem as vê é o favorecido. Mas se pensarmos que nesse mundo de palavras invisíveis existe um todo bem mais habitável, consiguimos também entender que são tantos os que vêem como aqueles que não as lêem mas imaginam.
Hajam palavras que nunca se pertilham. Que sejam mantidas na escuridão.

Friday, 12 November 2010

Recomendo



                                                    http://www.imdb.com/title/tt1001482/

José Luís Peixoto - Uma Casa na Escuridão (2002)



"Ser feliz por momentos é algo que não se deve ter vergonha. Momentos que o fim torna ridículos. A felicidade, como o amor, é um sentimento ridículo. Mas a felicidade, como o amor, só é ridícula quando vista de fora. A felicidade, como o amor, só é ridícula antes ou depois de si própria. A felicidade são momentos que, no seu presente fugaz, são mais fortes do que todas as sombras, todos os lugares frios, todos os arrependimentos. Ser feliz em palavras que, durante essa respiração breve, mudam de sentido. E nem a forma do mundo é igual: o sangue tem a forma de luz, as pedras têma forma de nuvens, os olhos têm a forma de rios, as mãos têm a forma de árvores, os lábios têm a forma de céu, ou de oceano visto da praia, ou de estrela a brilhar com toda a sua força infantil e a iluminar a noite como um coração pequeno de ave ou de criança. Momentos que o fim torna ridículos. Momentos que fazem viver, esperando por um dia, depois de todas as desilusões, depois de todos os arrependimentos e fracassos, em que se possa viver de novo, para de novo chegar o fim e de novo a esperança e de novo o fim. Não se deve ter vergonha de se ser feliz por momentos. Não se deve ter vergonha da memória de se ter sido feliz por momentos."